sábado, novembro 24, 2007

Há uma vida possível entre a paranóia do medo e o gelo da espera
É algo que eu vi lá e aqui
Ao sentar em uma rua deserta em um dia com sol
E ver a rua
A vida flui constantemente por todos os lados
Até no que está vazio e no que está silencioso

Eu, não tenho mais medo de falar do silêncio
Perdi
O silêncio agora é só um posto de espera, de recuperação
Onde eu me refaço calado
Do enigma do mundo

Antes ele era uma enorme caverna
Como o próprio escuro
Continha muito mais coisas do que na real contém
Me fazia tremer e me fazia procurar
abraços
E procurar abraços
E cair em tentáculos
E nunca mais voltar

Agora eu não sei mais onde o mistério do silêncio foi morar
Talvez em algum país distante aonde eu nunca mais vou chegar
Mas se um dia ele quiser se ver comigo de novo, amante perigoso
Eu vou estar aqui
Sentado, calado, no escuro
A te esperar

Eu nunca fui gênio

Eu nunca fui gênio
Não como você
Eu nunca fui capaz de disparar o tiro
E sacar o sangue branco da vida
Como você faz tão bem
E com tão pouca culpa
(É talento teu)

As pedras do caminho
Eu logo tive como montanhas
Eu logo amei como muralhas

Mas você não se importa
Eu abandonei os mortos
Como alguém que tira a roupa
E ainda é virgem
E tem desejo
Você que nunca teve nada
(Mas o desejo é teu)

Mas você está morto
E não percebe
E eu pretendo continuar vivo
Por muito tempo

É por isso que você entra no meu quarto todas as noites
E me despe
E me chacoalha
Me descoloca
E me agride
Me estapeia
E me faz sangrar

Você quer me roubar um pouco de vida
Porque você não tem a mínima idéia do que fazer

Você é um gênio
Eu tenho a ignorância

segunda-feira, outubro 01, 2007

você faz falta

É. É óbvio que eu vou andar pelas ruas molhadas à noite só para ouvir, estar e falar com você. E depois, no auge da nossa afeição, eu vou te dizer que nada nos pertence realmente, que tudo já estava aqui antes de você chegar. Eu olho pra você, essa cara, e eu leio as suas palavras, suas palavras, e eu me pergunto por que você não escreve mais. Eu, como menino ansioso, quero muito mais. Eu me lembro que esqueci como é você comendo na mesa na minha frente. Eu ouço todas as pessoas falando e como elas falam e eu me lembro que tenho que fazer um esforço pra lembrar da tua risada. Mas a tua risada é solar. Eu sei que vou andar pelas ruas, as suas ruas, pra olhar a tua foto, pra ver o seu sorriso, pra ver teu piercing e teu brinco novo. Eu sei que eu vou correr pra te abraçar assim que eu chegar (mesmo pensando que talvez eu vá embora de novo), eu sei que eu vou morrer de prazer com você me metralhando de beijos assim que eu chegar.
Eu sei que você caminha pela tua vida. Eu sei que é você. Mas nas tuas manhãs e nos meus sonhos eu também não posso evitar de sonhar que é com você que eu falo, que nós nunca somos amados, mas que nós amamos por produzirmos amor. Eu sei que eu vou te chocar com as minhas teorias tão frias, tão correntes, tão banais, mas é você no meu sonho que se cala, e que vem andar comigo.
É você que me falta, em cada palavra falada e repetida, em cada imagem lembrada, do passado ou do futuro, eu deixo uma lágrima pra você, porque você está distante. Uma lágrima que não cai porque eu não choro.
Vem estar comigo, vem, vem estar comigo. Vem me inundar de beijos e bilhetes. De declarações insanas de amor que ninguém vai entender. De brigas gigantescas na rua que deixarão os passantes chocados. De um amor tão fino e delicado que ninguém mais poderá ver. Você produz isso em mim. Eu que não sinto nada.
Vem me falar dos seus sonhos vem. Vem me falar do que você não pode. Não esquece de mim. Me deixa te odiar por um segundo e depois a vida inteira pra não poder te largar mais. Deixa-me criticar em todos os teus defeitos e depois passar horas pensando em como eu posso provar o erro teu. Mas não esquece de mim. Caminhe com mim.
Eu sei que eu vou andar esta noite, este sonho, esta rua molhada com você. Eu sei que vai ser você. Quem vai sentir esse sentimento profundo retumbar no instante na alma de nós dois, e que nós vamos nos calar. Mas não esquece de mim. Eu sou estúpido, mas não esquece de mim. Eu sou um bobo, mas não esquece de mim. Eu errei, mas não esquece de mim.
Quem vai dizer que foi de nós dois esse sonho? Quem vai dizer que foi você? E depois eu vou acordar e vai ser só esse sentimento de não acordar, de não lembrar, mas do sentimento que permanece, mas sem você. Vai ser você que vai me seguir? Vai ser você que será a minha sombra depois que eu acordar? Mas sem nunca mais se lembrar de mim. Sem nunca mais me tocar.
Eu sonhei que eu chegava. E que atravessava uma rua pra te abraçar e te beijar e dizer que eu havia chegado (mesmo pensando que talvez iria embora de novo) e você estava com uma amiga. E depois eu estava num bar e ao meu lado havia vários amigos que foram embora da minha vida e cada um com uma profissão, um corpo e um lugar diferente. E depois havia um homem que entrava no bar e que não tinha sexo e na parte inferior do corpo tinha três ou quatro ou cinco pessoas que saiam dele como uma doença, como um siamês de onde cada vez mais nasce uma outra pessoa, adultos e bebês. Eu sou aquele homem. Aquele homem fala de mim.

sexta-feira, setembro 14, 2007

Processos

A adolescência é uma época difícil, porque, apesar da infância ainda presente, já se sofre com a ausência da mesma infância. As coisas ainda estão impregnadas demais com os cheiros, os sabores e as cores desbotadas de antes.
A maturidade adulta é o abrir-se e o sair para o mundo, desejo que, quando criança, me guiava para que crescesse o mais rápido possível também.
Se tratada como o oposto do começo, a adultícia pode ser chamada também de desenlace, no sentido de que desfeitos os nós da infância (e as vendas dos olhos) encontra-se uma nova libertação e esta já citada possibilidade de encontro com o mundo, que sempre esteve aí. E, se o desenlace é também o soltar desse abraço que pode dar no encontro com o frio, também é o triunfo de um rebento que está no mundo e descobre-se um e digno de viver e sobreviver. Para o frio sempre existirão cobertas.
É nessa brincadeira de processos, uma atrás do outro, juntos e lentamente, numa cadeia tão frágil de acontecimentos que eu posso descobrir que tenho em mim coisas fascinantes. E que a vida pode ser mais saborosa e prazerosa e transbordante que nunca. É aí que eu quero ver o mundo.

quinta-feira, junho 28, 2007

Mom

That little flame
That little flame is growing
It may never be born
But it sure was worth it
It sure was worth it
It was all worth it, mom

Três passos certos e uma indecisão

E se todos começassem, de repente, a falar português e eu descobrisse que era tudo uma grande farsa isso de todos falarem uma língua diferente, de todos terem uma visão diferente, que não passou de um engano isso de que nunca poderemos concordar em nada, que estaremos sempre separados, que não há contato?
E se eu descobrisse de repente que tudo isso foi uma ilusão sobre a ilusão que criamos e que pensamos, num golpe de sorte, haver desmascarado. Eu entrei naquele poço com bosta até os meus joelhos e na minha perna e um fedor insuportável e enquanto eu cavava mais fundo por mais eu chamei aquilo de "A Verdade", e o máximo que eu alcancei foi ter reconhecido que aquela era "a verdade" oposta àquela do céu que me esperava lá fora.
Agora eu chego em casa e não há luz e eu queria muito tomar um banho porque eu estou fedendo e eu não sei por quanto tempo essa casa será minha ou por quanto tempo eu vou guardar boas memórias dela e eu não sei se a noite passada foi a melhor coisa que eu já fiz na minha vida mas eu fiz e eu não sei foi a coisa que eu mais disse para ele na língua dele, provavelmente umas três vezes e talvez isso seja suficiente para ter uma idéia estranha de mim.
A reportagem do Estadão dizia que não havia mais guerra civil. (Eu me lembro de Time Square com "War is Over", se você quiser...). A guerra acabou mesmo, eu quis, agora você poderia me ajudar se você quisesse, nessa reconstrução de Varsóvia ("Não, não vive nenhuma Senhora Carmen aqui..."). Eu sei que eu vou ter uma alma assim que a hora chegar. Eu sei que eu tenho uma alma.
Assim que eu sair dessa escuridão eu descobrirei o que e quando estava faltando e o que é que estive perdendo. Essa coisa misteriosa, prenda de estivadores. Eu estive cansado por tanto tempo que a idéia passou a me alegrar mais que a ação, e a paixão. E assim eu me tornei um ineficiente sonhador que não pára nunca e fica batendo as pernas nos joelhos e os calcanhares no chão, sem poder se decidir nunca entre um sonho ou outro ou se espera o sonho que chega inevitavelmente da falta de decisão. Além do mais, se os sonhos viraram a parte integral mais importante da minha vida é porque eu devo estar brincando com agulhas de novo.
Os campos devastados em todo o mundo me chamam para a sua reconstrução. Agora eu posso trabalhar chorando. Porque eu sou esse pato estranho que, ademais, sabe cantar sua canção. Porque depois daqueles corpos jogados tão displiscentemente deve haver algum tipo de chão ou consciência "fertilizado pelo sangue", purificado pelas lágrimas, luminoso, onde a gente possa construir uma casinha. Eu me lembro de quando ele jogava os ossos na trincheira e eu rezava para que chegasse o dia em que mais pessoas pudessem ser felizes como agora eu sou.

terça-feira, abril 17, 2007

Fascination

As garotas de Budapeste eram magníficas. Todos os dias era uma festa e Mildred vinha buscar o meu chapéu quando eu chegava. Nola contava as novidades do dia para as outras garotas, entre gargarejos, fofocas e gargalhadas e Linda punha a rosa entre seus seios no espartilho. Eu sabia que Miranda não viria naquele dia mas pelo menos poderia me divertir com Ana. Todas elas eram fabulosas e me faziam sentir muito bem. Até que veio a tempestade, é claro. E naquele ano eu soube, mais tarde, que Lucia começara a usar uma perna de pau.
Em Paris as coisas estavam muito melhores como sempre. Nicola com seu ar glacial me desaprovava com cada olhar, enquanto Lois se debruçava fingidamente sem próposito sobre mim. Anna me pedia dinheiro novamente e Paula sabia com quem poderia contar. As garotas dessa vez estavam excitadíssimas com seu novo espetáculo que estreiaria na quinta-feira. Melanie era a responsável por tudo e Maggie assistia dos escombros, os olhos apaixonados.
Eu fiquei sem fôlego ao ver aquelas coxas todas levantarem-se enfileiradas e em sincronia. Todas as minhas garotas preferidas estavam lá. Era um sem fôlego bom. E foi uma boa despedida quando no dia seguinte eu fui para a Turquia.
Em Istambul Chloe me esperava. Sempre as bochechas rosadas e o ramalhete de flores na mão.
Ao voltar para Berlim eu não deixei de freqüentar aquele clube para senhores do qual se falava em todo o continente. Foi lá que conheci Lola de quem te contei na última vez. Foi uma noite e tanto, é claro, acompanhado de Pilar e Soledad. Na manhã seguinte eu acordei perturbado quando Tootsie, a gata da dona da casa, me acordava com lambidas. Sai correndo pela janela.
Ao chegar em Zaragoza fui logo encontrar Melanie naquele café, nós decidimos tomar alguns drinques e depois eu a acompanhei até a casa já que agora ela tinha medo de andar sozinha pelas ruas desde o último ataque. Ao voltar para a hospedaria foi um prazer encontrar por acaso Bertha que trabalhava aquele dia nas ruas.
Em Trieste e Turim tudo correu às mil maravilhas e eu voltei para você, meu amor. Não voltei? O Sandóval me disse que a viu correndo essa manhã pelas escadarias em direção ao gramado e ao campo. Agora eu gostaria de ouvir tudo a respeito disso.

quarta-feira, março 21, 2007

Mosaico andaluz (Fascination)

Deixe os gatos lá fora. Eles estão brigando, arranhando-se e matando-se e não querem ser trazidos para dentro onde nós os acariciamos e contamos histórias. Mais tarde eles chorarão como crianças, em grande agonia, e nós abriremos as portas. Todas as portas. Às quais eles entrarão elegantemente sem arranhões, sem pressa e cobertos de cores. Cores da terra, do verde e do sangue, também do rosa, do azul celeste e um amarelo solar. Eles serão mosaicos que nós pintaremos e adoraremos com dedicação e afinco, comprometidos com a nossa própria veneração de Nossos ídolos subirão montanha, pularão de arquipélago em arquipélago, nossos gritos os seguirão em promontórios, uma telepatia que os fará virar pescoços para olhar-nos enquanto nós os observamos daqui.
Serão grandes felinos estelares, dos tamanhos das galáxias e deusas, bebedores de leite e sangue, profanadores da justiça e do bom-senso. Nós os adoraremos em silêncio, quando a fria faca da noite recostar em nossos pescoços sem esperar o golpe amotinado dos nossos membros inferiores, buscando recompensas.
Sim, nós fomos massacrados mas somos gatos e choramos desde que um corte sensível foi feito em nossa órbita ocular, para chorarmos para sempre e houve vezes em que fechamos os olhos, preferimos que essa paisagem fosse embora mas a remela continuava acumulando-se denunciando sempre a nossa imperfectibilidade. E nós ousamos, sim, nós ousamos pular montanhas e aquipélagos e rir de senhorias e senhoras e deitar na grama e colher o gado, mas nós nunca, nunca, desafiamos os cortes em nossos olhos, essa ferida aberta que lacrimeja. Sim, tentamos esperar ou agir e o tempo, oh, o tempo nos abandonou mas não deixou de armar seus truques, nós caímos em todos eles com a esperança de alguma sabedoria adquirida, sem lembrarmo-nos, por fim, que bastava dar um pulo para evitar esse buraco.
Gravetos e gravetos em nossos olhos nos impediram de ver a verdadeira figura que nos dizia claramente que tudo estava bem, que na realidade nós não éramos as vítimas, e o mistério se abriria em uma milhão de tapeçarias bordadas com novos motivos rubros e dourados penduradas sobre nossos leitos.
Eu, meus amigos, me confessei, era um gato com necessidade de sê-lo. Era um gato amarelo e a fissura nos meus olhos me fascinava. Por isso eu também subi montanhas e arquipélagos com meus olhos e gritando e eu quis me retirar da agonia. Sem saber que o destino estava aqui. E me revolvi três voltas ao redor de mim mesmo, e jurei rezas pra quem é que for e pedi para que não me pensassem com tristeza, nem eu por mim, mas foi inevitável retornar aqui. Jurar amor a essas tapeçarias, a esse amor que de tão longe esqueci e o tempo me foi apagando, tão suave que eu não vi...
Agora. Recompensa, resposta. Destino. Atração. Objetivo, tração. É essa carroça que vai me levando na estrada estrada, tão longe pro mar e eu só quero me dar pro deus-oceano, me debulhar no seu altar, no seu altar, no seu altar. Eu venho lá de longe, pata a pata, tentando descobrir de onde vêm esses dentes, de onde vêm essas garras, de onde vêm esses olhos?
Como um gato eu me alojei em mim, dei três voltas ao redor de mim, lembrei de mim. Lembra? E aquelas memórias não eram boas, mas quem sabe a arqueologia das memórias. Me deixa atordoado, todo esse espetáculo que eu posso fazer de mim.

sábado, fevereiro 17, 2007

Objeção

Você ainda é o meu jogo preferido. E eu esqueci de me lembrar de uma outra pessoa para quando te encontrar contar a história para você ver que esqueci de ti. Eu não sei esquecer. Mesmo que meu auge tenha sido naquela noite, eu pensei, eu estou disposto a uma vida que é um pouco menos que isso. Mas que foi isso, meu Deus! Foi. Foi isso. Eu estive satisfeito por três segundos e acho que alguns bastaram. Minha revolta em meu coração se aquietou.

Eu respirei três vezes. A barriga inchando. A raiva passou. Relaxo os músculos da perna.

Assim, quando ele chegar eu estarei pronto. Venha com mel e com canela, as especiarias do sul. Venha assim sorrateiramente, eu quase não vou notar. Vou anotar teu nome. Vou brincar com a tua localidade. Vou rearranjar sua filiação. Vou ser esse furacão na tua vida. Pelo prazer de ter passado. E de ter podido ver minha marca. Você não objetará.

Músculos distendidos. Cabelos molhados, perfumados, hidratados. Eu após o banho.

Agora eu não sei o que me espera essa espera. Eu não espero mas corto o dia como o que é meu. Só não saio mais por preguiça e desavença e assim vou fazendo meus dias até a chegada. A chegada do benfeitor ou a minha chegada, que é partida. Sempre. Como a flecha que divide o pomo, como a flecha que não retornará.

sexta-feira, fevereiro 16, 2007

Poços

Então eu comecei a sonhar com pessoas sem rostos. E sobre os seus rostos haviam gravetos, coelhos e pedras e sobre as pedras haviam meninas com vestidos verdes, carvão e amores. E quando eu me esquecia de como recomeçar ela me pegava pela mão e me dizia para descansar, porque afinal todos os livros já foram escritos e esse era apenas um livro de memórias, de um jarro. Mas eu chorava e implorava, e ajoelhado de joelhos eu lhe pedia que me concedesse essa honra de ser o seu servo. E todas as vezes ela virava a face quando dessa forma eu agia.
Então foram anos e anos de inverno e neve e eu nunca mais esqueci aquele sonho em que ela adolescente me aparecia e me dava a notícia para eu acordar contente e, de alguma forma, predestinado. Esse tempo, o tempo até agora, passou para me deixar na boca o gosto amargo de uma predestinação, que talvez seja só isso, só um gosto para me lembrar de que eu não fiz nada, de que talvez toda predestinação seja isso: não fazer nada.
"Mas não é possível!", ele indaga e ela vira a face. Mais um vez a face enigmática se esconde na areia, mais uma vez eu falho por não conhecer o seu caminho. Sim, eu andei pela floresta sob o luar. Sim, eu trouxe o sacrifício e fiz a libação. Sim, eu me abstive de carne por trinta dias. Sim, eu andei sobre o terreno de uma antiga lavoura. Todas essas coisas eu fiz e só achei meio-caminhos e coisas já trilhadas, coisas que não davam certo quando aplicadas a problemas comuns.
Não. Mas eu me lembrei da vontade no início. Do desejo de ajudar por simplesmente estar ali com elas, e do encantamento nos meus olhos assim que eu a vi subir naquela pedra, e andar naquela praia em minha direção.
Reconcilie-se comigo, eu peço. Venha aqui beber o vinho e compartilhar comigo o repasto. Você sabe que nós dois somos como o que deveria começar. Como o que já está começando. Olhando nos seus olhos eu vejo que esse caminho trilhado acaba aqui. Sobre os seus olhos negros empoeirados e vejo um brilho difícil de compreender pois tão fogo-fátuo.
Senhora das encruzilhadas! Venha ao meu encontro!

segunda-feira, fevereiro 05, 2007

A Árvore

A terra sob os nossos pés. E eu nunca entendi o que você quis dizer com isso. Mas nós continuamos andando, sempre andando, mesmo que sangue tinja os dedos dos pés e é assim naquele monte marrom. Mas então eu pensei que naquele monte sobre aquela pedra veria-se um poente maior ainda, ainda não satisfeito com todos os que eu vi, mas eu dormiria tranqüilo se me tocasse pela sua mão. Mas é um fio que se constrói que vai diretamente da minha boca ao seu coração através do seu dedo e eu tenho medo de que fique aqui.
Sabe, não há desculpa pra isso, que eu quis que fosse um dorso branco ao amparar minhas selas, e eu tenho medo de você que não se deixar montar, e eu amo você e eu respeito você, só que não mais. Mais aquilo por uma toalha mais alva, mais isso por um banho mais longo, por vapores, por cheiros, por perfumes, inesquecíveis, e mais isso, no entanto, eu. Eu não posso me excluir disso, o banquete começa aí:
Vêm todos os homens adultos da tribo ao redor da árvore e eu sei que virá a dor e, será que eu acredito nisso?, para arrancar meus ossos, ou pior, a carne irrestritamente intrincada a eles, e eu serei arrastado por alamedas de árvores por bosques tão silenciosos sob luas tão calmas que pedaços de mim serão levados por forasteiros que os plantarão em seus quintais e eu serei a chuva também. Mas se perguntarem se fui eu, não fui eu ou eu não sei. Essas chuvas virão tombando por todo o céu ao redor de nós dois.
Enquanto as mulheres passarem correndo e gritando com o seu almoço de quinta-feira o mundo inteiro passará enquanto eu estiver imobilizado, o mundo inteiro passará, eu sei. Eu sei que eu verei o teu rosto talhado no tronco daquela árvore, o teu rosto sempre a me observar enquanto eu passar, seus olhos vão me olhar enquanto teus cachos caírem sobre teu rosto e você me deixará passar. Qual é o campo que não deixa o touro passar? Ou a porcelana que não deixa ser pisada?
Todas essas coisas são minhas e tuas assim como tudo que aconteceu e o universo entre nós. Eu não vou pedir desculpas, eu sei, por tudo que aconteceu. Mas eu quero que você saiba que o beijo dos teus lábios estará na minha testa, assim como o tronco que nunca cedeu.

domingo, janeiro 07, 2007

Suserania

Ele se refestelava entre as folhas empoeiradas. Aquele marrom pardo de poeira embolorada poderia lhe garantir séculos de idade média, confinada na torre de um castelo, para então enviar um pombo mensageiro (todo branco) carregando na pata dianteira a mais alva mensagem.
Se acertasse o alvo poderia desfrutar de um fim-de-semana em Búzios ou na praia, poderia escolher uma velhice tranqüila, a que nunca foi escolhida, pois de juventude turbulenta não se constroem anciões sábios e não-conflituosos, mas se fosse derramar sangue, que fosse o dele próprio assim como de todos os outros que assistiam a cena. Sim, algo havia mudado nesse meio-tempo, na fina-flor, a cola que gruda tempo e espaço, construiu-se um puxar martirizante que não martirizava ninguém pois não havia santo, mas era o próprio martírio, aquela matéria-mundo sendo puxada em direções opostas. Aí então tudo TEVE QUE mudar, as mães não eram mais mães-guerreiras, amazonas marcianas do novo apocalipse, eram velhas cansadas e um pouco chatas que só pediam um pouco mais de descanso e tranqüilidade, os pais não eram mais jardineiros/cegos carrascos oscilando frenético-esquizofrenicamente entre esses dois extremos, eram homens que até se sentariam em um sofá para falar de algo que não tinha importância nenhuma, mas que se sentariam no sofá e falariam sobre algo que não tem importância nenhuma, os companheiros, seja de sangue, partido ou estrada, não eram mais os fiéis escudeiros de uma pretensa superioridade, sempre prontos para a próxima batalha sem discordar do senhor, eram pessoas que traiam e podiam até apunhalar, mas de quem se podia separar e andar em caminhos opostos sem medo do escuro, sem medo da ponta da faca. Aquela faca não fere mais o dorso de pura carne humana-divina. De agora em diante eu construo minha casa no quintal e se for pra ser mansão que seja a maior delas no mais alto pico do Atacama. Que nenhum desses homens não tenha coragem. Que nenhum desses homens esqueça de trazer à tona o que é seu.