sábado, fevereiro 09, 2008

A Casa

Não é preciso ser vidente para ver o Destino. Enquanto eu ainda vivia naquela casa eu já garimpava o meu futuro nela sabendo que não seria ali, mas morando ali.
Eu sabia que, enquanto eu me mexia por aqueles aposentos, enquanto eu contemplava luz na parte superior, sabendo-a minha, reencontrando-a após um longo período de ausência, enfim, enquanto eu me fazia em casa na minha casa de novo, já existiam outros Destinos que fariam daquele lugar o seu próprio lar, e eu não tinha direito de reinvindicá-lo como somente meu. Ao contrário, o pensamento me atingiu como se fosse uma tranquilidade. Como os pensamentos puros ele não me fazia me exaltar, pegar em armas ou chorar. Era uma simples constatação tranquila, quase independente de mim, como se eu fosse, muito mais, um expectador, atravessado por um outro Destino, maior que eu, o Destino da casa.
Então eu sai para o jardim. E com a outra constatação límpida eu me vi. Estando já o Destino da casa selado por outros Destinos que não o meu isso significava que eu estava livre. Na minha ignorância eu podia dizer isso. Estando eu fora dos limites dessa casa que me aprisiona agora, eu poderia, no fim, ir parar em qualquer outra casa do mundo. Ou não. Essa poderia ser a última.
Eu decidi amá-la como eu amo o Destino e o meu. Eu decidi percorrê-la com meus pés limpos ou secos e sujos, para fazê-la um pouco mais minha, sem a pretensão de que ela fosse, de fato, minha, mas sabendo que desde o princípio ela sempre fora, completamente, minha.
E antes de entrar nela. Antes de entrar pela porta da frente, de virar a chave na fechadura. Eu já sabia. O Destino não tem mais padrões além daqueles que nós próprios criamos. E nós nos tornamos os ícones de alguma coisa outra que não nós mesmos. E isso é.
Eu sei. Você é o nada mais que me pertence. Eu sou aquele que te viu e que não consegue retornar para ti. E isso nós somos.
Ele abaixou a cabeça para mim. Ele abriu as asas para mim. Eu nunca mais vi amor maior que esse.

quinta-feira, fevereiro 07, 2008

Ontem à noite eu pedi por um portal. Eu o encontrei aqui.

O Grande Homem. O Encontro. Aquele esperado. Entrou pela porta.

Ele vinha com um casaco e um artefato da Pérsia. A pele sobre suas veias exalavam um doce perfume com o qual eu não pude me conformar. Ele olhou nos meus olhos diretamente. Eu cai de joelhos, atrás dos meu olhos. Ele viu.

Ele arrebatou algo vermelho e subiu. Ele deu a volta à esquerda e entrou. Eu também estava no quarto. Ele me despiu a minha roupa pesada e luxuriosa. Meu manto de veludo vermelho. Ele tinha um cheiro de coisas antigas. As mãos dele eram fixas como a terra. Ou como o Sol da manhã.

Amanheceu na minha cama. Ele está aqui. Eu o investigo nos meus passos, nos seus toques, em cada palavra que eu digo. Ele está aqui. O Homem Esperado. Ele veio me encontrar.

O Corvo Negro observa da janela. Ele não pode mais entrar. Nunca diga nunca eu sei. Mas ele não pode mais entrar. Será que ele se conformará? Com ficar olhando lá de fora enquanto eu me faço luxurioso aqui.

O vento bate na planície. O vento bate na minha janela. Ele chegou.
Todas as minhas sombras estão tranquilas. O fogo está aqui. O fogo faz uma sinfonia tranquila dos estalos da madeira. Eu estou aqui.

Eu repouso.

Ele vem aqui. Ele me olha. Ele deixa.
Leva consigo um presente da Pérsia.

Eu estou aqui.
Minhas Eras. Agora que eu chego no nó sem limites. Eu explico.
Agora eu não tenho mais vontade de escrever. Nem tenho mais motivo. Todos foram embora. Eu estou olhando pra porta tentando ver se ela está fechada ou aberta.
É um relevo tão plano que nada se levanta. Tudo é calmo. Como um mar sem vento. Eu não me levanto. Mas tem alguma corrente subterrânea que se mexe lá embaixo. Talvez seja consequência de algum calor.
É por não ter limites. Por não ter motivo. Que, paradoxalmente. Eu escrevo. Por não ter motivo algum. Continuarei escrevendo (A porta aberta é a pergunta idiota se eu voltarei a ter motivo ou não, embora todos nós saibamos que não há porta nenhuma).

Mas mesmo sem haver motivo pode haver um ritmo, pode haver uma dança. Não há nada mais inútil que uma dança. Nem nada tão necessário. Quem não dança morre, no final das contas. Tudo que é inútil é assim. Parece inútil porque leva um tempo muito longo pra completar.

Olha, eu cheguei até aqui. Ainda não estou satisfeito. Nem comigo nem com ninguém. Sou o mestre mais severo de mim. E ai de quem cruzar o meu caminho.
Se você o ver diga que eu mandei um beijo.

Agora, agora, agora. Sempre agora. Uma cor que eu não conheço o nome. Um sabor que eu não conheço o jeito. Um modo que eu não sei ser. Mas eu aprendo. Ai mãe, tem dó de mim que um dia eu aprendo. Teu filho é águia em repouso. Cuida mais di mim.

Eu fecho o nó sem limites. Por não ter limites, claro. Ele olha pra mim. Eu posso e ele pode isso. Esse olhar olha e não vê nada mas me diz algo. Um olhar que não vê nada mas diz algo. É disso que eu estou falando.