sábado, fevereiro 17, 2007

Objeção

Você ainda é o meu jogo preferido. E eu esqueci de me lembrar de uma outra pessoa para quando te encontrar contar a história para você ver que esqueci de ti. Eu não sei esquecer. Mesmo que meu auge tenha sido naquela noite, eu pensei, eu estou disposto a uma vida que é um pouco menos que isso. Mas que foi isso, meu Deus! Foi. Foi isso. Eu estive satisfeito por três segundos e acho que alguns bastaram. Minha revolta em meu coração se aquietou.

Eu respirei três vezes. A barriga inchando. A raiva passou. Relaxo os músculos da perna.

Assim, quando ele chegar eu estarei pronto. Venha com mel e com canela, as especiarias do sul. Venha assim sorrateiramente, eu quase não vou notar. Vou anotar teu nome. Vou brincar com a tua localidade. Vou rearranjar sua filiação. Vou ser esse furacão na tua vida. Pelo prazer de ter passado. E de ter podido ver minha marca. Você não objetará.

Músculos distendidos. Cabelos molhados, perfumados, hidratados. Eu após o banho.

Agora eu não sei o que me espera essa espera. Eu não espero mas corto o dia como o que é meu. Só não saio mais por preguiça e desavença e assim vou fazendo meus dias até a chegada. A chegada do benfeitor ou a minha chegada, que é partida. Sempre. Como a flecha que divide o pomo, como a flecha que não retornará.

sexta-feira, fevereiro 16, 2007

Poços

Então eu comecei a sonhar com pessoas sem rostos. E sobre os seus rostos haviam gravetos, coelhos e pedras e sobre as pedras haviam meninas com vestidos verdes, carvão e amores. E quando eu me esquecia de como recomeçar ela me pegava pela mão e me dizia para descansar, porque afinal todos os livros já foram escritos e esse era apenas um livro de memórias, de um jarro. Mas eu chorava e implorava, e ajoelhado de joelhos eu lhe pedia que me concedesse essa honra de ser o seu servo. E todas as vezes ela virava a face quando dessa forma eu agia.
Então foram anos e anos de inverno e neve e eu nunca mais esqueci aquele sonho em que ela adolescente me aparecia e me dava a notícia para eu acordar contente e, de alguma forma, predestinado. Esse tempo, o tempo até agora, passou para me deixar na boca o gosto amargo de uma predestinação, que talvez seja só isso, só um gosto para me lembrar de que eu não fiz nada, de que talvez toda predestinação seja isso: não fazer nada.
"Mas não é possível!", ele indaga e ela vira a face. Mais um vez a face enigmática se esconde na areia, mais uma vez eu falho por não conhecer o seu caminho. Sim, eu andei pela floresta sob o luar. Sim, eu trouxe o sacrifício e fiz a libação. Sim, eu me abstive de carne por trinta dias. Sim, eu andei sobre o terreno de uma antiga lavoura. Todas essas coisas eu fiz e só achei meio-caminhos e coisas já trilhadas, coisas que não davam certo quando aplicadas a problemas comuns.
Não. Mas eu me lembrei da vontade no início. Do desejo de ajudar por simplesmente estar ali com elas, e do encantamento nos meus olhos assim que eu a vi subir naquela pedra, e andar naquela praia em minha direção.
Reconcilie-se comigo, eu peço. Venha aqui beber o vinho e compartilhar comigo o repasto. Você sabe que nós dois somos como o que deveria começar. Como o que já está começando. Olhando nos seus olhos eu vejo que esse caminho trilhado acaba aqui. Sobre os seus olhos negros empoeirados e vejo um brilho difícil de compreender pois tão fogo-fátuo.
Senhora das encruzilhadas! Venha ao meu encontro!

segunda-feira, fevereiro 05, 2007

A Árvore

A terra sob os nossos pés. E eu nunca entendi o que você quis dizer com isso. Mas nós continuamos andando, sempre andando, mesmo que sangue tinja os dedos dos pés e é assim naquele monte marrom. Mas então eu pensei que naquele monte sobre aquela pedra veria-se um poente maior ainda, ainda não satisfeito com todos os que eu vi, mas eu dormiria tranqüilo se me tocasse pela sua mão. Mas é um fio que se constrói que vai diretamente da minha boca ao seu coração através do seu dedo e eu tenho medo de que fique aqui.
Sabe, não há desculpa pra isso, que eu quis que fosse um dorso branco ao amparar minhas selas, e eu tenho medo de você que não se deixar montar, e eu amo você e eu respeito você, só que não mais. Mais aquilo por uma toalha mais alva, mais isso por um banho mais longo, por vapores, por cheiros, por perfumes, inesquecíveis, e mais isso, no entanto, eu. Eu não posso me excluir disso, o banquete começa aí:
Vêm todos os homens adultos da tribo ao redor da árvore e eu sei que virá a dor e, será que eu acredito nisso?, para arrancar meus ossos, ou pior, a carne irrestritamente intrincada a eles, e eu serei arrastado por alamedas de árvores por bosques tão silenciosos sob luas tão calmas que pedaços de mim serão levados por forasteiros que os plantarão em seus quintais e eu serei a chuva também. Mas se perguntarem se fui eu, não fui eu ou eu não sei. Essas chuvas virão tombando por todo o céu ao redor de nós dois.
Enquanto as mulheres passarem correndo e gritando com o seu almoço de quinta-feira o mundo inteiro passará enquanto eu estiver imobilizado, o mundo inteiro passará, eu sei. Eu sei que eu verei o teu rosto talhado no tronco daquela árvore, o teu rosto sempre a me observar enquanto eu passar, seus olhos vão me olhar enquanto teus cachos caírem sobre teu rosto e você me deixará passar. Qual é o campo que não deixa o touro passar? Ou a porcelana que não deixa ser pisada?
Todas essas coisas são minhas e tuas assim como tudo que aconteceu e o universo entre nós. Eu não vou pedir desculpas, eu sei, por tudo que aconteceu. Mas eu quero que você saiba que o beijo dos teus lábios estará na minha testa, assim como o tronco que nunca cedeu.